Quando o seu provedor vigia você – e seus Torrents

"Confiro umas quatro vezes se o VPN está de fato conectado e mando ver."

Ana Freitas
Por
• Atualizado há 9 meses

De Berlim, Alemanha – O Thássius falou brevemente de mim no início da semana. Como sou educada, me apresento: sou a Ana e eu escrevo. Escrevo sobre celulares e computadores, redes sociais e milionários do setor tecnológico, sobre viagens, satélites, caminhões, cervejas, maquiagem. É tudo sério: essas são todas coisas sobre as quais já escrevi a respeito. E ainda faltam algumas nessa lista. Você pode ler essas viagens no meu blog, o Olhômetro.

No entanto, tecnologia é uma das minhas áreas preferidas. Desde que me lembro, eu gosto de observar como o desenvolvimento tecnológico influencia e muda a maneira como nos relacionamos uns com os outros e com o mundo. E é com esse olhar que eu pretendo escrever pra vocês como as coisas funcionam aqui na Europa.

Falando em Europa, já é difícil o suficiente mudar de país, como vocês devem imaginar. Não é só fisicamente extenuante; cidade, emprego, idioma, cultura e casa novos consomem tanta energia mental que qualquer extra nessa equação tem um peso tremendo.

É por isso que eu achei um saco quando precisei, também, me privar de baixar filmes, séries e música. Quer dizer, poucas coisas são tão eficientes pra curar um dia ruim ou uma tristeza ocasional (comum quando você se muda sozinha pra um novo país) do que assistir alguma coisa que te distraia, entretenha. É fuga pura da realidade, verdade, e eu sou completamente a favor.

Mas sem TV em casa e com a rígida legislação alemã pra pirataria, eu me vi sem muita opção no início. Foi uma interrupção muito brusca num hábito quase automático. Até então, na minha vida, a lógica era bem simples (como deve ser pra você, também):

Tão simples…
  1. Quero ver um filme/série (ou escutar um disco);
  2. Entro no isoHunt;
  3. Baixo o arquivo de Torrent em questão e o executo;
  4. Espero ~20 minutos;
  5. Assisto (ou escuto).

É bem simples e, no Brasil, vem completamente dissociado de qualquer julgamento moral, ético ou sanção legal. Eu gostava dessa vida, e honestamente, ter que parar com ela é como quando alguém te fala que você pode controlar sua respiração e, por alguns momentos, os movimentos do seu pulmão se tornam voluntários. É tomar controle manual de algo que antes era automatizado. E é chato.

E o que de tão horrível pode acontecer se você baixar arquivos ilegalmente?

A legislação da Alemanha prevê penas que variam entre multas salgadas (a partir de 1.000 euros por um disco só) e prisão inafiançável que pode ir até 5 anos. Tudo depende do tipo de usuário que você é: se faz upload ou não, quanto baixou e se lucrou de alguma maneira com o compartilhamento ilegal.

“Ah, mas nos EUA eles também têm penas duras pra download ilegal e ninguém deixa de baixar”, você pode pensar. Verdade. O problema é que a fiscalização aqui funciona. Todo mundo conhece alguém que já recebeu uma cartinha em casa com a desagradável surpresa – é comum. E se não pagar a multa, o próximo destino é o xilindró.

As leis de copyright são seguidas tão à risca por aqui que até o YouTube é um tédio. Cerca de 50% do que eu tento assistir lá está bloqueado porque a GEMA, uma espécie de ECAD daqui, “não liberou os direitos para essa reprodução”. Isso significa que esse orgão controla tudo que é reproduzido na Alemanha. Se não pagou pra eles, não toca.

Parece justo? Espere até ouvir que, obviamente, os provedores de internet monitoram todo o tráfego e identificam situações consideradas suspeitas – upload constante, por exemplo, pode caracterizar o uso de Torrent. Torrent, aliás, é provavelmente o método mais perigoso e mais passível de multa. Download direto raramente é punido. O que pega é compartilhar com os outros. Além disso, versões de séries que acabaram de ir ao ar, ripadas da TV, gravações ao vivo e livros são menos perigosos, também.

Mas eu não arriscaria.

Há alternativas?

Felizmente, há algumas. Você pode simplesmente começar a pagar pelo seu conteúdo. Go legal. Não tem Netflix aqui na Alemanha, mas existem serviços similares. A iTunes Stores tá sempre aí, sem contar o Spotify, uma invenção que é libertadora e sobre a qual eu vou falar nas próximas colunas. E as locadoras de filmes em Berlim e possivelmente no resto do país não morreram justamente por conta da rigidez das leis por aqui, ou seja, você pode alugar seus filmes do jeito old school. CDs e DVDs usados também são fáceis de encontrar em mercados de pulgas, por preços ridículos, às vezes mais de um por 1 euro.

Você ainda vai ficar carente dos vídeos do YouTube, mas bem, não dá pra ter tudo.

E também dá pra contratar um serviço de VPN. É barato – uns 6 euros por mês – e ele criptografa todo o seu tráfego. Seu provedor de internet ainda será capaz de ver que você transferiu uma quantidade inacreditável de dados, mas não será capaz de ver exatamente como você consumiu esse tráfego. O VPN te permite simular IPs de vários países diferentes, o que também ajuda no probleminha do YouTube.

Eu optei por combinar as duas soluções. Assino um VPN e o Netflix dos EUA. Pra acessar o Netflix de lá, que tem mais opções que o brasileiro, simulo via IP no VPN que estou nos EUA. Daí vem minha solução de streaming, que não é ilegal em si (é apenas uma gambiarra).

Se o que eu quero assistir não está disponível no Netflix, eu baixo, ainda que meio apreensiva. Confiro umas quatro vezes se o VPN está de fato conectado e mando ver. Mas é curioso observar que mesmo undercover eu sinto um medinho. Prova que a estratégia deles, que invade a privacidade do usuário de maneira absurda e te mantém sob controle pelo medo, funciona.

Quem já leu “1984” vai reconhecer a sensação.

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